CARTA ABERTA EM SOLIDARIEDADE AO SANTUÁRIO DOS GRANDES PRIMATAS DE SOROCABA

Sábado de manhã fui informado por um amigo do acidente que ocorreu no Santuário dos Grandes Primatas de Sorocaba, local este que trabalhei por 3 anos e meio.

De imediato tentei obter informações sobre o ocorrido. Lamentavelmente, constatei que uma tratadora foi atacada por Luke, um chimpanzé de 26 anos. As informações que obtive foram meio que desencontradas. Algumas disseram que ele escapou e a atacou. Outras diziam que a tratadora havia entrado em uma área que não deveria para chamar o Dr. Pedro e isso teria irritado Luke – além disso, desconfio que a tratadora não era a responsável pela manutenção dos chimpanzés, e sim dos pequenos primatas. Assim, foi reconhecida como uma estranha por Luke.

Pois bem. Independentemente das circunstâncias, o acidente ocorreu. A tratadora sofreu fraturas e lesões e está hospitalizada – torço para que fique bem e se recupere prontamente. Só quem passou por situação como essa sabe da tensão e desespero que o momento ocasiona. No entanto, tenho visto muitos comentários e compartilhamentos através de redes sociais que são levianos e mentirosos sobre o local.

Não faço mais parte do quadro de funcionários do local (saí por motivos trabalhistas), mas ainda sou voluntário do Projeto GAP. Projeto este, por sinal, que direciona todo o trabalho do santuário, garantindo um mínimo de condições para esses primatas que não podem mais ser reintegrados no ambiente natural (África) por diversos motivos, sendo um deles a não receptividade de animais “estrangeiros”.

Em uma dessas comunidades, encabeça por defensores dos zoológicos, uma postagem irônica e tendenciosa, com o título “Faça o que eu digo mas não faça o que eu faço”. Nesta, voltam a fazer acusações mentirosas e totalmente absurdas, levantando até mesmo velhas discussões que há tempos já foram rebatidas por vários especialistas – incluindo a nomenclatura “santuário”. Mostram-se, portanto, dotados de ignorância (em seu sentido literal) e insensatez.

Antes de mais nada, como tentam emplacar nos argumentos, é inconcebível fazer qualquer tipo de comparação entre santuários e os zoológicos (estes, verdadeiros centros de tortura, principalmente psicológica!). Tentar essa comparação é impossível, afinal, nos santuários preza-se acima de tudo pela integridade física e psicológica destes seres, em oposição aos ambientes perturbadores e estressantes dos zoológicos, que visam antes de qualquer coisa o lucro e tramitações∕permutas de animais muitas vezes suspeitas – e mesmo assim tentam vender a falsa e moralista imagem de centros de educação ambiental e preservação de espécies.

O trabalho desenvolvido no santuário é sério e merecedor de reconhecimento. O incidente ocorrido deve ter seus motivos, principalmente por ser Luke um chimpanzé dócil com alguns, mas agressivo com estranhos – um dos motivos deste local não ser aberto à visitações, evitando maiores danos psicológicos aos primatas e possíveis riscos. O que se passa na cabeça desses seres inteligentes é e sempre será uma incógnita, ainda mais quando passaram por traumas durante anos em cativeiros irregulares, como zoológicos e circos.

Luke não é o único ser perturbado. Em levantamento que fiz quando lá desenvolvia meu trabalho, a grande maioria dos chimpanzés eram oriundos de circos e zoológicos (70% do total), coincidentemente, os de maiores dificuldades de integração e reabilitação mental. Muitos destes por sinal, resgatados de zoológicos que ameaçavam esses seres de eutanásia por conta de seus comportamentos inadequados que manifestavam em cativeiro – mutilações e agressividade excessiva quando expostos ao público, por exemplo.

Comparativamente, esses chimpanzés ali recolhidos, são assistidos tal como pessoas clinicamente diagnosticadas com problemas psicológicos sérios, que carecem de cuidados e atenção. E antes de qualquer coisa, elimina-se a fonte principal do estresse: a exposição pública. Com o passar do tempo, avalia-se e estuda-se a possibilidade de formação de pequenos grupos, ou até mesmo a aproximação entre eles através de seus recintos – infinitamente maiores e mais ricos do que a aparência vendida pelos zoológicos.

As críticas feitas ao santuário são levianas e infundadas, feitas por pessoas intimamente ligada aos zoológicos. O Projeto GAP, ao assumir sua responsabilidade perante a defesa dos grandes primatas e, consequentemente, enfrentar e denunciar os bastidores e os atos escusos presentes nestas instituições, tornou-se vítima de gente oportunista, para tentar criminalizar e condenar o importante, honesto e humano trabalho de preservação dos primatas. A essa gente, meu repúdio.

Ao Projeto GAP, em especial aos profissionais do Santuário dos Grandes Primatas de Sorocaba, à tratadora Jurema Pereira e ao Dr. Pedro, minha solidariedade.

Americana, 10 de julho de 2016.

Prof. Luiz Fernando Leal Padulla

Biólogo

Doutor em Etologia

Mestre em Ciências

Especialista em Bioecologia e Conservação

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