Jürgen Klopp e a exploração desumana do capitalismo

Como posso dizer? Estou ficando sem energia. Tenho que descansar. Cheguei aqui um cara normal, mas nunca vivi uma vida normal além de três ou quatro semanas por verão. Costumava ser bom, mas agora não é mais”.

Essas são as recentes palavras de Jürgen Klopp, ao anunciar sua saída do comando técnico do Liverpool ao término desta temporada. O treinador explicou que precisa parar após 24 anos de carreira ininterrupta.

Essa inesperada decisão nos faz refletir enquanto trabalhadores e trabalhadoras. Quem, tal como Klopp, no atual sistema de produção/exploração não se sente cansado, esgotado e sem tempo para viver? Posso arriscar sem medo de errar: todos nós.

Porém, um diferencial é notável e faz toda a diferença: o mercado futebolístico (absurdo, irracional) lhe proporcionava um salário de R$ 8 milhões…ao mês! Qual outro trabalhador terá essa quantidade em toda sua vida?

Ainda que isso tenha facilitado a ação do treinador, Klopp foi corajoso e sua atitude louvável ao dizer “chega”, optando por viver e não apenas sobreviver.

Não quero aqui julgar seu trabalho (ainda que acredite que tenha mais pontos positivos do que negativos quando comparado às demais profissões como dos verdadeiros professores, por exemplo), mas apenas mostrar que o sistema em que estamos inseridos é desumano.

Quantas horas do seu dia você tem para si mesmo? Quanto tempo – com disposição – consegue dedicar aos familiares, amigos, seus fieis companheiros peludos? E, principalmente, quanto de grana você tem disponível para se permitir usufruir de uma boa comida, um passeio?

(Por sinal, já parou para pensar o quanto vale sua hora de trabalho?)

Talvez você não tenha ligado os fatos com aquilo que tentam te esconder – e até te alienar: você, camarada, tal como a imensa maioria da população, é explorado pelo capital. Capital que segue concentrado terras, renda, meios de produção e pagando salários medíocres àqueles que geram essa riqueza e seus lucros. Paralelamente, seguem destruindo leis trabalhistas, enfraquecendo a unidade das lutas, precarizando os sindicatos (nossa mais importante voz para lutar contra os interesses do patronato capitalista!).

Klopp escancarou tudo isso.

Poderíamos até dizer que Klopp foi influenciado pelo histórico da cidade que dá nome ao atual (e talvez seu último clube), afinal, Liverpool tem sua raiz socialista histórica atrelada ao movimento operário ligada a atividade portuária. No entanto, Klopp somou seu posicionamento esquerdista a isso. Jogador mediano como ele mesmo reconhece, passou dificuldades em sua carreira enquanto jogador, mas jamais esqueceu de suas origens e seus ideais. Sempre com boné e barba por fazer, nunca foi um sujeito de ostentar dinheiro e leva sua vida de forma simples e discreta.

Klopp disse abertamente que é socialista e defende o bem-estar social. Em declarações para sua biografia, disse que “nunca pagarei um plano privado de saúde. Nunca votarei em um partido porque promete baixar os impostos. Se há algo que jamais farei em toda minha vida é votar na direita. Se eu estou bem, quero que os outros também estejam bem“.

No auge de sua carreira profissional, abriu mão de tudo e disse um basta. Quantos de nós não nos sentimos igual ao que ele externou em sua coletiva? Quantos de nós não desejaríamos mais tempo de real liberdade para viver?

O que te impede? A responsabilidade e compromisso para com nossas contas? O aluguel exorbitante do qual não temos como escapar? O pão nosso de cada dia que nos fornece energia que será sugada pelo sistema? A conta da farmácia cujos remédios nos farão enganar a necessidade de uma mudança no modo de vida?

Com todo avanço tecnológico, era de se esperar que nossa jornada de trabalho fosse diminuída e, com isso, teríamos mais tempo de vida. Mas a ganância do sistema sempre quer mais – além, claro, de deixar menos tempo disponível para que possamos nos organizar, como sempre nos alertou Marx e Lênin.

Sugam nosso sangue e suor para arrecadarem ainda mais, sem jamais pensarem no bem-estar daqueles que movem suas engrenagens. E como tal, se uma delas falha, simplesmente trocam. Para eles, somos números tratados pelo infame termo eufêmico para a exploração: colaborador.

O treinador alemão irá parar e não descarta se aposentar até o final da temporada. E quanto a nós? Mesmo que não tenhamos condições financeiras de parar, será que conseguiremos um dia nos aposentar? Com todas as alterações que fizeram, não vejo perspectivas para isso. Morreremos trabalhando.

Então, o que podemos fazer? Dizer um basta coletivo! Unir nossas forças. Enfrentar o sistema com nossa coletividade. Mas para isso é preciso unidade para enfrentar o sistema e os interesses patronais que nos exploram diuturnamente. É preciso organização através de nossa força maior que são os sindicatos (propositadamente difamados pelo discurso ultra neoliberal, que tenta jogar os próprios trabalhares e trabalhadoras contra). É preciso estudar, nos inteirarmos das questões políticas, participarmos, cobrarmos. Formação contínua e mobilização é o caminho que devemos trilhar. Só assim conseguiremos ter vida digna, melhorias e com nossos mínimos direitos humanos garantidos.

* Luiz Fernando Leal Padulla é professor, biólogo, doutor em Etologia, mestre em Ciências e especialista em Bioecologia e Conservação. Autor do blog e da página no Youtube “Biólogo Socialista”, do podcast “PadullaCast” e do livro “Um irritante necessário”. Instagram: @BiologoSocialista

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