Reflexões de um biólogo

*Por Luiz Fernando Leal Padulla

A preocupação é algo inerente aos seres vivos pensantes. Mas, como diz a própria palavra é uma “pré” “ocupação” de uma mente que não deveria ser tão exacerbada. Culpa da necessidade atual de dominar e saber de todos os acontecimentos? Talvez. O que me levou a pensar e escrever isso? Uma criança que, em um dia de frio e chuva do primeiro dia de março, atravessava o pátio do colégio com seu capuz, observando talvez um pequeno corte em sua mão, caminhando despretensiosamente sob a garoa mansa e gélida que caia sob seus ombros por volta das 8 horas da manhã. E assim foi, de uma ponta a outra, seguindo uma diagonal que parecia ser um caminho mágico para ela.

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O pátio

Eu aproveitava minha “janela” de aula e saí da sala dos professores para observar o tempo e o ambiente, que quase sempre nos são suprimidos pela correria do dia a dia. Resolvi “respirar ar fresco” ao invés de ficar lendo notícias no computador. Fiquei de pé, observando o céu e a chuva que caia. Cada gota promovia um pequeno e brilhante espetáculo nas poças d’água que se formavam. Tudo isso ao mesmo tempo em que notícias provavelmente eram lançadas aos montes nos sites e portais da internet. E o tempo passava. A chuva, magistral, calma, só aumentava. Molhava o chão de concreto e a terra vermelha ferrosa, e verde de monocotiledôneas. Vários seres vivos – pensantes ou não – dela se refestelavam, aproveitavam, curtiam sem pressa e sem preocupações. Enquanto os pensantes, isolados em seu mundo cibernético e caoticamente humano, ignoravam o mundo externo, tão perto e ao mesmo tempo tão longe de seus olhos. Um silêncio quase que ensurdecedor podia ser ouvido naquele pátio.

O sol pode não ter aparecido e brilhado por hoje, mas a beleza da vida contracenou e nos brindou. Insetos, sentindo a atmosfera pesada de umidade, permaneciam estáticos no ambiente, mas seu sistema circulatório aberto bombeava os nutrientes para suas células, assim como seus espiráculos, desembocando em suas traqueias, permitiam a difusão do oxigênio para sua hemocele. No alto, briófitas com seus esporófitos presentes parasitam galhos de uma idosa e imponente gimnosperma, que se mostra saudável com a produção de seus frutos secos de membranas aladas, prestes a se soltarem e serem poeticamente carregados pela brisa de um vento que a qualquer hora poderia surgir. Na mesma árvore, orquídeas e seu epifitismo florescem um amarelo contrastante ao céu levemente acinzentado.

Pombos amoitados pelo frio, recolhem suas asas e penas impermeabilizadas pela glândula uropigiana, enquanto gotas de água tentam surrupiar o calor de seus corpos homeotérmicos, sabiamente mantido pelo metabolismo de suas células. Hoje o voo não está propício e optam por ficar ao solo, protegido pela cobertura de um teto, preservando sua forte musculatura peitoral, fantasticamente inserida em uma quilha aerodinamicamente evoluída. Hoje, seus sacos aéreos e ossos pneumáticos não precisarão entrar em ação. Por mais que anseiem pelo voo suave, longe do solo, o gasto energético está reduzido aos níveis basais, talvez apenas com picos pela integração ambiental em situação de alerta – afinal, não se pode confiar em todos os humanos. O que esperam agora, é apenas o final do intervalo, quando poderão aproveitar migalhas e alimentos perdidos pelo chão e ingeri-los para que seus papos triturem a seus intestinos possam absorver da melhor maneira.

E assim o tempo, maliciosamente passou. O sinal tocou e tive que subir. Seres vivos pensantes me esperavam para falar sobre a vida. Ao entrar na sala, foi inevitável pensar que a verdadeira aula e o aprendizado não estavam nos livros e na internet, mas alguns metros abaixo de nós, ao nosso redor, em um pátio, em um gramado, em uma rua. Para aprendermos a Biologia, basta que saibamos observar e contemplar. Ela está ao nosso redor. É isso que a vida nos exige: VIVER, e não apenas sobreviver!

*Biólogo e professor, Doutor em Etologia, Mestre em Ciências

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